segunda-feira, 28 de setembro de 2009

ROBERTO RUGIERO - O PAPA DA ARTE POPULAR BRASILEIRA



"ROBERTO RUGIERO”

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Fone: 3086-4273, 3064-1709

O galerista deixa claro de inicio que sua opção é pelo que existe de mais sui-generis em matéria de arte. A Arte Popular Brasileira, ainda no ostracismo, justamente pelo desapego às coisas e valores da gente nossa. Salienta que os autores verdadeiros têm que serem ousados. Para a arte mesmo, só pode.
Sentamos-se à mesa do café no MuBE e com disposição para trabalhar, conscientes de que a conversa será longa, pois dá para notar que o entrevistado é muito bem informado e domina seu assunto completamente.
Publicou o boletim News-Letter, sobre cultura geral e arte plástica, que tinha como parceiro a Livraria Martins Fontes e a RVS Editora. Ver site.
Roberto inicia declarando que uma das razões da diversificação da nossa Arte Popular é o fato de não termos uma população homogênea. Temos origens muito diversas: brancos, portugueses, índios e negros. Vieram para o Brasil mais ou menos trinta diferentes culturas negras, inclusive islâmicas. Em relação aos índios foi quase a mesma coisa. Dividem-se em ramos linguísticos diversos: Tupis, Tupis-guaranis, que são uma imensa tribo que vai até o Paraguai, lá e no norte da Argentina até hoje se fala nesse idioma Outros grupos, como os Caraíbas, da região amazônica, Tapuias do interior. Os Arvaks, ramo linguístico que está em muitos lugares, pois são nômades. Os tupis ficaram mais pelo litoral.
Veja, prezado Líbano, cultura popular é sempre baseada na tradição dos povos e suas religiosidades, considerando até as europeias e locais ou autóctones, os mitos negros com todas as culturas e etnias.
A Arte Popular Brasileira e é baseada nessa miscigenação toda forma um caldo cultural de pessoas que não tiveram uma formação erudita e vão transmitindo de uma geração para outra. Isso acontece por via oral, pois a escrita viabiliza a cultura erudita. Os povos mais primitivos não tinham escritas.
Essa categoria de artistas é importante, pois a antropologia cultural partiu dos autóctones; consequentemente e por volta dos anos vinte o interesse pela cultura popular começou a se emancipar aqui no Brasil.

A necessidade de se criar uma identidade nacional, acabou por gerar, nessa mesma época a revolução cultural que culminou com o acontecimento que ficou mundialmente conhecido como “Semana de Arte de 22”, no Teatro Municipal de São Paulo. Vide História do Modernismo de Mário de Andrade. Notemos também os estudos publicados, desse mesmo autor, sobre cultura popular brasileira.
O próprio criador do Movimento Modernista, ou um dos cinco principais, Oswald de Andrade com seus estudos sobre cultura popular criou uma missão cultural que saiu pelo Brasil, filmando e documentando tudo que encontravam sobre o assunto. Mário de Andrade, inclusive, esteve junto. Essa missão esteve sob o patrocínio da elite paulistana da época a exemplo de Olívia Penteado e outros tantos nomes importantes da nossa intelectualidade.
O processo começou fora, veio da França e tendo como representante Claude Levi Strauss, pai do estruturalismo, que esteve no Brasil na época para divulgar suas idéias. A Arte Popular no Brasil é a mais rica do mundo. Ele fez uma expedição ao norte de Mato Grosso, conheceu o Moçambique e outras manifestações folclóricas. Foram viagens de redescobrimento do Brasil.
Com o desenvolvimento da cultura cafeeira a elite paulista cogitou formar uma identidade cultural brasileira autentica, mas foi com Luiz da Câmara Cascudo que todo conhecimento da cultura brasileira realmente, principalmente a popular fundamentou-se.
Muitas de nossas manifestações populares tiveram origem na cultura portuguesa, ainda da época medieval, dessa influência veio, por exemplo, Bumba-meu-boi, que é um mito, também medieval, de Creta, do Minotauro. As Cavalhadas que tiveram origem nas guerras de reconquistas portuguesa, entre Mouros e Cristãos.
As Festas Juninas eram festas europeias pagãs, adicionadas das fogueiras, que vieram com influencia dos índios que faziam suas celebrações em volta das fogueiras. Os católicos então, para atrair os indígenas para sua crença faziam fogueiras.
Rugiero nos conta que começou com arte popular a partir dos anos setenta, quando deixei de ser publicitário, no inicio trabalhei com arte moderna e contemporânea.
Em seguida, em projeto de pesquisa fui a Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo. O objetivo era trazer coisas boas ao mercado de arte paulistano e que ainda não tinham espaço no mercado de arte tradicional. Eu estava com a galeria Ralph Camargo. Foi a primeira especializada em arte de Vanguarda de São Paulo.
Nomes como Ligia Clark, Mira Shendel, Helio Oiticica, Ivan Serpa, concretistas e neo-concretistas, do Rio de Janeiro como: Sacilotto, Fiamingh, Judith Lauand, etc. Nós fomos trazendo aqueles jovens artistas para a galeria através das nossas viagens de pesquisa. Encontramos ainda Cláudio Tozzi, José Roberto Aguilar e Rubens Gerchman.
Eles ganharam evidencia com as reportagens da Revista Veja.
Com essas viagens de pesquisas aprendi a observar melhor a arte popular e aos poucos fui me apaixonando pela arte primitiva que mais tarde não foram consideradas nas Bienais de São Paulo, pelo contrário foram barradas. Não havia espaço para o artista primitivo.
Lembramos que o próprio José Antonio da Silva que também foi rejeitado pela curadoria da Bienal, ele protestou com o quadro famoso que tinha uma figura com a boca tapada. Hoje é o nosso maior representante da arte de raiz, no Brasil.

Obs: Essa interferência, sobre José Antonio da Silva deve-se ao saber de Mário Caristina.
Foi nessa época que descobrimos Heitor dos Prazeres, Vitalino, Chico da Silva, Agostinho Batista de Freitas. Todos eles e muitos outros, hoje queridos e respeitados.
Os artistas populares, antes chamados primitivos, eram raríssimos. Falo dos verdadeiros primitivos. Hoje mais ainda, pois esse tipo de arte esta desaparecendo. Nos últimos anos surgiram apenas dois bons nomes; Alino Lins e Alex da Silva.
Prezado leitor, Roberto Rugiero pediu-nos que pesquisássemos o autor Lorenzato e também o livro "Arte Contemporânea a Grande Falsificação".
Afirma que o vazio da Bienal é o mesmo da arte contemporânea.
Nessas pesquisas em campo atrás de novos valores artísticos, encontrei um artista de grande talento. Foi em Assis interior de São Paulo. Era um verdadeiro artista brasileiro.
Rugiero fala de Ranchinho bem empolgado. Mostra-se convicto de sua descoberta e com sua experiência realmente não pode estar errado. Seu nome verdadeiro era desconhecido. Ele morreu faz oito anos.
Vivia nas ruas, era cheio de manias. Tanto incomodava a sociedade do lugar que acabaram por colocá-lo para fora da cidade. Os moleques sempre o provocavam ele respondia com obscenidades. Não se comunicava através da palavra. Como entendê-lo?
Ranchinho ganhou esse apelido porque acabou em um rancho abandonado da área rural. Vinha para os bairros revirar os lixos a busca de qualquer coisa que pudesse ajudá-lo em seus desenhos. Tinha descoberto que podia fazê-los e se comunicar através deles, tentava estabelecer contato. Executava seus trabalhos sobre pedaços de cartão e com toquinho de lápis, do próprio lixo. Era um resultado totalmente espontâneo. Nunca havia estudado arte, nem teve relacionamento com qualquer professor.
Até hoje esse artista não foi reconhecido, sem valor, escorraçado pela sociedade, vivia com indigente.
Em 1977, fui para Assis e a fim de conhecer o trabalho de Ranchinho. Confesso que não estava muito entusiasmado, a principio, eu até estranhei um pouco. Foi quando mostrei seus desenhos aos representantes do Museu Van Gogh. Não é que acabaram comprando alguns desses trabalhos para levarem a Europa.
O tempo foi passando e eu acabei por me habituar com esse grande artista popular brasileiro. Acho que ainda tenho mais ou menos cento e cinquenta trabalhos dele.
Vale lembrar também de outra figura carimbada da arte popular, o grande Artur Bispo de Rosário. Interno do Manicômio Judiciário do Rio de Janeiro. Falecido nos anos oitenta, também se utilizava de material descartado, do lixo, para executar suas propostas artísticas. Após a morte dele a sociedade acabou por se convencer de seus valores. Organizaram uma grande exposição no Jardim Botânico do Rio de Janeiro.
Hoje seus trabalhos estão expostos até na Bienal de Veneza.
Nosso entrevistado, ilustre, nos conta sobre sua passagem pelo mercado de artes, suas aventuras, ilusões, descobertas, cita nomes de muitos autores, populares autênticos, hoje muitos dos quais que ganharam reconhecimento internacional, eles com sua poética, linguagens, originais e brasileiríssimas. Vai argumentando com muita base, nos mostra todas as referencias. Ele, Rugiero, realmente está muito bem fundamentado e documentado, é o pioneiro no ramo da arte popular brasileira, é um verdadeiro expert e muito respeitado por galeristas e colecionadores. Os grandes nomes nas artes e em seu comercio o conhecem e o consideram como o mais entendido no assunto.
É verdade que se pode considerar esse ramo especifico, como ainda virgem, pouco explorado, mas em meio a todas as dificuldades que os artistas encontram para imporem seus trabalhos, muitos, verdadeiros e que precisam divulgar suas mensagens.
São barreiras preconceituosas que logicamente serão transpostas na medida em que o mercado for amadurecendo.
Hoje, domingo 13/09/2009, em parceria com Ana Aguiar, galerista no Shopping Siqueira Campos, no Rio de Janeiro, resolvemos mostrar um pouco da arte popular brasileira aqui no MuBE. Nós somos amigos desde a infância é claro que a afinidade intelectual tem tudo a haver. Ela é de uma personalidade muito marcante e de uma lealdade a toda prova. Juntamos acervo e por sugestão dela viemos expor no MuBE. Estamos gostando e é nossa intenção continuarmos. Afirma Rugiero.
Salienta-nos, ademais, que tem um relato muito importante: sabe? Eu ganhei muito dinheiro enquanto trabalhava no ramo de artes e antiguidades. Organizava leilões, sempre muito bem realizados, tudo acontecia a contento. Eu trabalhei com Paulo Vasconcelos, nas antiguidades, viajei a Europa, para buscar peças, enfim tudo estava bem, mas eu perdia aos poucos o contato com a arte popular, estava ficando sem minha identidade verdadeira. Ao notar esse distanciamento e ao mesmo tempo recuperar um espaço que eu havia alugado na Rua Arthur de Azevedo, isso por volta de 1999, eu resolvei voltar as minhas origens, a arte popular brasileira, valeu!
Isso foi logo em seguida da mostra no pavilhão da Bienal de São Paulo intitulada “Mostra “do Redescobrimento” ou ”Brasil Quinhentos Anos”. Idealizada e dirigida pelo Edemar Cid Ferreira.
Organizou-se ali um espaço, sob a curadoria de Emanuel Araújo, para exposição de arte popular e indígena, que nunca teve igual, completamente inédito e surpreendente, mesmo aos olhos dos espectadores desacostumados com essa temática. Foi tão forte que virou um divisor de águas, tamanho era o conjunto de peças de Arte Popular. Tinha pinturas, especialmente, antes pouco reconhecidas, esculturas, gravuras, desenhos, etc. Formou-se um conjunto completo de Arte popular. Peças que ficaram ausentes em outras grandes mostras internacionais.
Nesse gênero de arte, até então, só se valorizava o tridimensional. Esse acervo reintroduziu no ramo de artes o conceito de arte popular.


Na mostra"Brasil Quinhentos Anos" O espaço mais visitado foi o reservado a arte popular. Inclusive com visitas que vieram do mundo todo. O módulo intitulado "Arte de Inconsequente" Isto é Arte Indígena e Arte Popular Brasileira. Não teve nenhuma critica.
A partir desta mostra, aqui no Brasil passou-se a refletir mais sobre a verdadeira situação do Brasil no mundo. Hoje estamos vivendo mudanças que começou bem ali. Com o sucesso, em todo mundo.
Eu mesmo como entrevistador, lembrei do fato que na época recebi um grupo de pessoas, encaminhadas à mostra e que eram representantes do Museu de Amsterdã. A realidade é que o evento encheu a bola do Brasil. No popular é claro!
Esse acontecimento, importante a nível universal é também um produto de um fenômeno paralelo mundial que tinha com tendência voltar à atenção para bens culturais ou naturais que até então estavam marginalizados ou degradados.

Na França criou-se o Museu das Artes Primitivas, seguindo essas mesmas tendências para as artes de raiz; totalmente voltado para a arte primitiva da pré-história.
Quero lembrar que o acervo do Museu do Homem foi fagocitado pelo Museu "Quai Branly".
Outra entidade importante, a Fundação Cartier que formou o acervo de Arte Popular.
Nos Estados Unidos podemos citar o Museu de Arte Visionário de Baltimore. Em Washington, de Arte Indígena. Pela proposta política, é muito emocionante estar lá.
O interessante é agora notarmos que tudo o que foi dito até agora é de política cultural. A arte ainda comprada como produto fashion, compra-se arte como se fosse uma roupa Giorgio Armani, não há envolvimento emocional ou cultural. Na opinião do comprador basta apenas ostentar. Não é uma generalização, mas é mais do que comum. A obra acaba por determinar ou mostrar, exatamente o que o dono não conhece.
Voltando ao que falávamos, sobre o Museu do Índio, na capital americana. Logo na entrada ficam expostas às armas com as quais os brancos combatiam os índios. É impressionante notarmos que as peças advindas de coleções particulares, acabam fazendo parte de uma temática terminantemente antagônica, mais ainda, foi reunida por iniciativa dos próprios índios.
Roberto Rugiero elogia de todas as formas o Museu de Arte Indígena. Fala sobre a interferência do homem branco exterminando e ignorando a cultura local, primitiva e nativa dos índios americanos.
Mesmo com esse esboço de reconhecimento, ainda a arte primitiva é marginalizada e não alcançam nenhum valor representativo no mercado. É baixo para uma arte de altíssimo valor intrínseco. Maior que do objeto em si. Para quem pensa em investir em arte verdadeira esse é o melhor canal, porque é livre de influência de culturas estrangeiras.
Não é uma arte cópia de outros modelos, a popular não recebe influências de modismos. É arte de raiz mesmo!
Essa temática é ainda desconhecida do grande publico, pois não temos no mercado espaços reservados em galerias, exposições ou leilões de artes. Em São Paulo, só tem duas galerias especializadas. Uma no Rio que também só trabalha com pinturas.
Saliento que a verdadeira pintura popular é mais difícil de ler por ser composta mais com símbolos e signos que são pouco divulgados.
Já no século dezesseis os santos entalhados em nó de pinho ou feitos de barro, eram feitos somente por escravos. Os portugueses, nada faziam à mão de obra era mesmo dos escravos, a manifestação era pura linguagem de arte popular. Expressavam-se confeccionando ex-votos, placas com agradecimento ou de anúncios colocados em exposição nos pequenos comércios. Até hoje existem e é a maneira de podermos entender com era a arte publicitária antigamente. Era feita por gente muito simples e é exemplo de arte popular.
Rugiero sugere que pesquisemos no livro de Luiz Alberto Veme "A Mão Devota" que fala dos santeiros populares clássicos.
Nosso entrevistado além de marchand é um galerista e colecionador de arte popular. Vai para a posterioridade como um patrimônio cultural do nosso país.
Falou-nos sobre o museu que está sendo criado no Ibirapuera, no antigo prédio do Prodam. O antigo Museu do Folk-lore irá se somar deste novo acervo. É projeto muito sério e confiável.
Quanto ao acervo de Rugiero fica aberto a qualquer proposta.
Ressalta o nome de Adélia Borges, ela trabalha ou trabalhava no projeto, Ana Helena Kurt da Arte Três, especialista em logística de museus, é museóloga e também está envolvida neste projeto.
Tenho dois filhos: Fedra e Dimitri que a partir do ano 2000, passaram a trabalhar comigo na galeria. Evoluem muito rapidamente e vão cuidar do nosso acervo, saliento que é muito grande. Estando com a mão na massa já podemos admitir até que irão dar continuidade a esse trabalho.
Quero salientar, reiterando o que já foi dito anteriormente, que fazem parte da coleção perto de cento e cinquenta peças assinadas pelo antológico Ranchinho de Assis.


Fico muito tranquilo porque meus filhos realmente darão sequência a um trabalho de muitos anos e dedicação de minha parte.
A Arte Popular Brasileira encontrou conosco um templo para ser preservada, desenvolvida e divulgada.

LÍBANO MONTESANTI CALIL ATALLAH
                                                                                                                                                                       

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